Como Orfeu, toco a morte nas cordas da vida e à beleza do mundo e dos teus olhos que regem o céu só sei dizer trevas. Não te esqueças que também tu, subitamente, naquela manhã, quando o teu leito estava ainda húmido de orvalho e o cravo dormia no teu coração, viste o rio negro passar por ti. Com a corda do silêncio tensa sobre a onda de sangue, dedilhei o teu coração vibrante. A tua madeixa transformou-se na cabeleira de sombras da noite, os flocos negros da escuridão nevavam sobre o teu rosto. E eu não te pertenço. Ambos nos lamentamos agora. Mas, como Orfeu, sei a vida ao lado da morte, e revejo-me no azul dos teus olhos fechados para sempre. Ingeborg Bachmann, O tempo Aprazado Foto de Maria João Alves
No poema ficou o fogo mais secreto. O intenso fogo devorador das coisas. Que esteve sempre muito longe e muito perto. Sophia de Mello Breyner Andresen