Avançar para o conteúdo principal

A velocidade da Luz



Há uma rotação do teu corpo –
Andas pela casa: és um leve rumor sob o silêncio
um rumor que alumia a sombra silenciosa;
na sala, o homem quase surdo quase cego
ouve-te, julga reconhecer-te: vens aí.
Estás aqui. O intervalo de tempo já começou:
há uma rotação no teu corpo
que me exclui do mundo e
entretanto é feita para mim; atinge-me
à velocidade da luz.
E eu o homem quase surdo quase cego
sou tomado pelo vento do fogo que me consome
até ser apenas a última brasa: pequenas ravinas de luz
o incêndio restante sob a exausta crosta da terra
Estavas, estiveste ali.
O tempo recomeça.
Apareces e desapareces.
Como a luz do farol disparando no céu sobre as casas
ou como o anúncio luminoso do prédio em frente
que varre intermitente a obscuridade do quarto no filme.
Quando voltará?
É como se soubesses
que voltará, sim, e que não, não poderá voltar.
Quando, e se voltar, serei eu talvez
quem já lá não está. Quando
é quando?
Quanto tempo ainda poderá o mundo voltar
à possibilidade dessa forma?



Manuel Gusmão
In: Teatros do Tempo, Editorial Caminho

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A solidão é um luxo

"(...) desenvolveu o hábito mais encantador do mundo, o hábito da leitura: não sabia que, assim, estava a construir o seu refúgio para todas as agruras da vida; também não sabia que estava a criar para si próprio um mundo irreal que iria tornar o mundo real do quotidiano numa fonte de amargas desilusões."  - Servidão Humana Somerset Maugham

Da ignorância

A mão que entregava à tua os primeiros sinais do verão já não sabe o caminho - é como se em vez de aprender fosse cada vez mais e mais ignorante. Ou ignorar fosse todo o saber. Eugénio de Andrade, in Rente ao Dizer Foto: Maria João Alves